Trilhas Pelo Mundo 8

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A Felicidade Conjugal e O Diabo - Leon Tolstói


Esta é a primeira vez que leio um livro do Tolstói e fiquei surpresa em gostar tanto da escrita do autor.

Leon TolstóiLev Nikolayevich Tolstoi foi um escritor russo que viveu entre 1828 e 1910. Autor conhecido por suas grandes obras como Anna Karienina, A Morte de Ivan Ilitch e Guerra e Paz. Escreveu diversos livros, entre novelas, textos religiosos, romances, ensaios e etc. A maneira com que encarava o mundo e os valores que apreciava estão contidos em suas obras. Foi uma pessoa que tentou fazer a diferença no meio em que se encontrava e passar os valores que achava corretos aos demais. Viveu muitos anos e pôde assim lapidar a sua escrita. 
Aqui a lista de obras (em inglês).


Título: A Felicidade Conjugal / O Diabo
Autor: Leon Tolstói
Editora: L&PM

Tradutor: Maria Aparecida Botelho Pereira Soares
Páginas: 192

Sinopse"Tolstói é o maior de todos os narradores" [Virginia Woolf]. Poucos escritores penetraram tão fundo na alma dos seus personagens quanto Leon Tolstói (1828-1910), dono de uma técnica narrativa certeira e cristalina. É o que pode ser visto neste livro, que reúne duas primorosas amostras da sua vasta obra. Publicada em 1859, "A felicidade conjugal" é a primeira obra do futuro autor de "Guerra e paz". Já o conto "O diabo" foi escrito em 1898 e publicado postumamente, em 1916. De origem autobiográfica, ambos os textos tratam das mesmas questões, caras a Tolstói: o papel do casamento, do sexo e das relações amorosas, bem como a responsabilidade moral dos indivíduos.

Minha Opinião: Este livro contém duas narrativas que foram feitas em épocas diferentes da vida do autor. A primeira, A Felicidade Conjugal, foi sua primeira obra e O Diabo foi possivelmente a sua última (já que foi publicada postumamente). Gostei da edição da L&PM por nos permitir fazer a comparação das obras, da escrita do autor e assim vermos a sua evolução. Nesta edição a tradutora explica como funcionam os nomes em russo, além de escrever a biografia resumida (muito interessante) do autor.

A Felicidade Conjugal fala sobre uma menina de dezessete anos, Mária Aleksândrovna, que se apaixona por um homem mais velho, Serguêi Mikháilitch e eles acabam se casando por amor. A maneira com que o autor conduz a narrativa é muito boa, fluída e fácil de acompanhar. Mesmo o autor sendo homem, acredito que neste texto ele conseguiu desvendar um pouco a alma de uma menina apaixonada. Conseguiu que eu lembrasse do que senti da primeira vez que me apaixonei e como tudo era lindo e fácil ao mesmo tempo em que era sofrido e dolorido. Fiquei realmente impressionada com a sensibilidade do autor em conseguir representar isso. 

A partir deste ponto, é possível que eu não consiga ficar longe de spoilers.
A personagem tenta agradar o homem amado de todas as formas. Fazendo aquilo que ele lhe pede, tocando as músicas que ele mais gosta, agindo da maneira que Serguêi mais acha ser correta a uma moça. E ela considera-se uma pessoa melhor por alcançar esse objetivo. O objetivo dele.

"(...)Sabia que ele gostava de mim - se como criança ou mulher, isso eu ainda não me havia perguntado; dava muito valor à sua afeição e, sentindo que ele me achava a melhor moça do mundo, desejava que ele permanecesse nesse engano. E, sem querer, eu o enganava. Mas ao enganá-lo eu mesma me tornava melhor. (...)"

E, mesmo notando como o ser amado a olhava, como falava com ela e tendo certeza de sua afeição, havia alguns momentos em que a insegurança de menina falava mais forte e ela sofria como só as pessoas apaixonadas conseguem: sozinha e sem motivos. Achei muito verossímil esses sentimentos conflitantes da personagem principal, Mária, pois ela jamais havia se apaixonado antes e tudo o que tinha feito era sonhar com o príncipe encantado. Ao direcionar seus sentimentos para uma pessoa real e além disso um homem já feito, que cuidava dos negócios da família, o normal era sentir insegurança mesmo. 
Quando há o casamento (não chama-se A Felicidade Conjugal à toa) entre Mária e Serguêi, ela se vê assustada diante da perspectiva de uma nova vida, totalmente diferente da que havia vivido até então. Ela sente medo e com razão, pois o marido comandaria a sua vida e ela viveria na casa com a sogra, deixando as irmãs amadas para trás. Porém, como todo casal apaixonado que se preze, a eles nada mais importava após casarem-se a não ser eles mesmos e viveram durante um tempo como se nada mais houvesse no mundo.
Mas nem tudo pode ir bem, já que existe uma inquietação nas jovens apaixonadas e sonhadoras. Pela imaturidade de Mária, ela desejava o conflito e não a paz. Queria poder provar o seu amor fazendo sacrifícios, concessões pela pessoa amada e não tendo uma vida pacata e rotineira. O coração dela ansiava em se pôr à prova, para demonstrar-se digna de Serguêi, que ela achava ser superior a ela. Dessa forma, novamente, a menina não tinha paz pois o que menos queria era estar em paz. 

"- Não desejo nada que seja impossível(...) Você molhou os cabelos - continuou, acariciando minha cabeça como se eu fosse uma criança -, tem inveja das folhas porque estão molhadas de chuva, você gostaria de ser folha, relva e chuva. Mas eu fico contente de admirá-las apenas, como também a tudo no mundo que seja belo, jovem e feliz."

A opinião de Tolstói quanto ao casamento era que as mulheres deviam ser submissas aos homens e que os homens deviam servir de guias e educadores para elas. Ele acreditava que era preciso que alguém lhes mostrasse o caminho para que pudessem ser mulheres de valor e que essa era a obrigação do homem. Isso é expressado nesta narrativa mostrando o que acontece caso não haja a total intervenção masculina na vida da jovem esposa. Inclusive com ela cobrando essa orientação de seu marido, que a seu ver, a deixou livre demais para fazer suas escolhas. O autor quando jovem também apaixonou-se por uma moça mais nova e tentou, através de cartas, moldar o seu caráter, mas fracassou.

Ambas as obras são um pouco autobiográficas pois o autor passou por situações parecidas que tiveram um desfecho diferente. Em O Diabo temos um conto onde o jovem fazendeiro se envolve com uma camponesa (camponeses eram praticamente os escravos na Rússia, pois os camponeses, antes de sua libertação, pertenciam a seus fazendeiros, que podiam vendê-los, perdê-los em jogo e etc) pois precisa "aliviar-se" de seus desejos carnais. A opinião de Tolstói sobre o assunto fica clara antes de começar o conto, pois a introdução é uma passagem bíblica falando sobre o adultério (Mateus, V, 28-30). 
E também faz uma crítica disfarçada no início do conto:

"As pessoas geralmente pensam que os velhos são mais conservadores e os jovens, inovadores; mas isso não é inteiramente verdade. Os conservadores são comumente os jovens, porque estes querem aproveitar a vida e não tem tempo de pensar em como devem viver, e, assim, tomam como exemplo a seguir o modo de vida antigo."

Assim, Evguêni, personagem principal do conto O Diabo, comete o mesmo erro do pai ao se envolver com uma camponesa e assim cometer o pecado do adultério. 
O autor nos mostra com o conto, que mesmo que tenha sido sem intenção de pecar, de fazer o que não é certo, as consequências aparecem. Evguêni se vê em uma luta contra a tentação, mas se sente fraco o suficiente para dá-la como perdida. 
O conto tem dois finais possíveis e os dois estão no livro. Porém não se sabe qual era o final preferido de Tolstói. Ambos tem a mesma consequência: o salário do pecado é a morte. 


Fiquei muito surpresa com o autor pois para mim ele era um dos "clássicos temidos". Foi muito bom ter conhecido a escrita dele e com certeza procurarei outros títulos para continuar minha coleção. Recomendo a leitura e podem ir sem medo!

Fran.

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