Cantando no banheiro

terça-feira, 8 de abril de 2014
      

                                                                                                                                para Eduardo Dussek

        Se eu contar, vocês vão dizer que eu estou inventando, que escritor é assim mesmo, que fica na frente do computador de madrugada com uma xícara de chá ou café do lado escrevendo loucuras e transformando a vida alheia, que somos exagerados e sem coração. Em um certo sentido, isso é até verdade, mas o caso é que isso aconteceu mesmo. Eu não quero perder a minha credibilidade - conquistada croniquinha por croniquinha (viu, que íntimos que já estamos, leitores?) - então vou dizer que aconteceu com um amigo meu. Vocês bem sabem que quem começa uma história com "Aconteceu com um amigo meu" está contando uma história que aconteceu com ele, mas ele tem vergonha de assumir. Ou ela, sei lá. Começo:

      Fui ao cinema hoje, para relaxar. Tenho certeza decisões muito importantes para tomar que estão me consumindo noites de sono e preocupação. Preciso então acalmar e uma coisa que sempre ajuda é ir ao cinema ver qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo, eu topo. Gosto de chegar antes da luzes se apagarem para ver tudo, desde os trailers até o último segundo dos créditos. Às vezes tem alguma cena escondida ou algo assim. Tenho certeza que os limpadores das salas de cinema devem ter um certo odiozinho de gente assim, mas não ligo muito na verdade. Fui ver um filme brasileiro bacana - "SOS Mulheres ao Mar" - com a Giovana Antonelli e o Reynaldo Gianecchini. É a história de uma escritora que é abandonada pelo marido que sai em um cruzeiro com a outra. Ela resolve ir atrás dele com sua irmã e a empregada da casa (dona das falas mais hilárias). Filme com confusões, idas e vindas amorosas e tudo o mais. Engraçadíssimo. 

      Depois do filme, fui ao banheiro. Enquanto estava lá (ocupado, digamos), ouvi uma voz feminina cantando. Já vi faxineiras que cantam enquanto trabalham. Eu mesmo às vezes me pego cantando arrumando livros. Mas essa cantava alto e bem até. As músicas eram um terror, eu não conhecia nenhuma, mas devia ser algo da moda, um sertanojo-breganeja. Tentei prestar atenção na letra, mas não consegui. Fiquei curioso com esse fato porque geralmente quem faz a limpeza do banheiro dos homens são homens e o das mulheres são mulheres, então estranhei uma mulher dentro de um banheiro masculino, mesmo para a limpeza. 

       A música ficava cada vez mais intensa, com direito a agudos e tudo o mais, um pouco desafinados, mas honestos. Tudo isso durou poucos segundos, mas agora escrevo em câmera lenta. Fiz o que tinha que fazer, puxei a descarga e saí da cabine procurando a voz com os olhos. Não vi ninguém. Da cabine em frente à minha, saiu um guri, de um 13 ou 14 anos, de óculos, com uma mochila na mão, acabando o agudo, provavelmente esperando os aplausos. 

          Minha dúvida estava resolvida. Isso não diminuiu meu espanto, claro. Não era uma mulher, era um menino que ainda não passou pela troca da voz. Ele era - definitivamente - um cantor de banheiro! Olhei para ele com uma cara surpresa e ele sorriu. 

         -  A acústica é boa, né, tio? - e foi embora, nem um pouco envergonhado. 

         E eu fiquei pensando, pensando. E respondi, uns minutos depois:

        - Tio é a mãe!


Eduardo Dussek "Cantando no Banheiro". - Ouçam! É genial!!



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