Interpretando Tabacaria

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

   Olá, pessoal! Quinta-feira passada eu publiquei na coluna poética o poema Tabacaria de Fernando Pessoa. Vou agora nesta postagem destacar alguns elementos principais:
 

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.




     Essa primeira estrofe resume toda a essência do poema: Álvaro de Campos (heterônimo de Pessoa) sente-se como se fosse nada, não dá valor ao seu Ser material, de carne osso, real, eis que este é efêmero, mortal e também não deve ser grande. No entanto, carrega dentro de si (alma) os sonhos do mundo --valorização do mundo etéreo, sentimental, do mistério e da metafísica. Isto pode ser melhor elucidado pela seguinte estrofe:

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.




      Nos dois últimos versos desta estrofe, pode-se observar que a Tabacaria que ele olha através da janela é a coisa "real", considerada real, fora dele, presente no mundo, no entanto, seu sonho é o que realmente é real para ele em seu íntimo. Podemos notar aqui uma sensação de inadequação em relação ao mundo exterior, um sentimento de incompreensão, de alguém que pensa muito além e que vê muito além do mundo do aqui e do agora. Isto pode ser justificado por Pessoa ter sido um gênio incompreendido e uma personalidade complexa, como a de quase todo gênio.


  
    Sabe-se que, embora um de seus heterônimos fosse ateísta, o Alberto Caeeiro (aquele sem metafísica, naturalista) representando o inconsciente coletivo cientificista da época em que Pessoa viveu, o poeta tinha fortes tendência místicas, visto que tinha vínculos com misticismo, escrevia para jornais e revistas sobre temas metafísicos, acreditava na astrologia e fazia os mapas astrais de seus heterônimos, além de ter sido um dos tradutores da obra "A voz do Silêncio" da esotérica Helena Blavatsky. Porém, Pessoa nunca assumiu sua afeição por teosofia por medo de desaprovação assim que Blavatsky foi acusada de farsa pela comunidade científica da época.
    Fernando Pessoa sofria de perturbações mentais e dizia precisar de uma "âncora" que conseguisse prendê-lo na terra, pois sua mente estava sempre agitada, em alta velocidade, pensando em outros mundos.

    Álvaro de Campos era seu heterônimo mais passional, ou seja, nas palavras de Pessoa, "o mais histericamente histérico de mim" demonstrando sua veia mais emocional. Ele dizia que se fosse uma mulher, sua histeria acabaria em uma expressão de escândalo, perturbando os vizinhos. Como era homem, tudo terminava em silêncio e poesia. As suas perturbações mentais podem ser encontradas nesse trecho:

Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!


Fernando Pessoa, durante algumas vezes em sua vida, pediu para ser internado a fim de tratar de suas perturbações mentais. Sua sensação de alienação, de falta de identificação com o mundo, como se ele fosse um estranho, um estrangeiro aqui pose ser observado nesse trecho:

Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.


Ele, embora possa, em seu íntimo, identificar-se mais com o metafísico do que com o real, não demonstra orgulho, pois sabe que sua poesia não é mais importante que a Tabacaria do outro lado da rua, eis que tudo é mortal:

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendido.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.


Ele também demonstra uma afeição pela realidade. Por que divagar tanto na metafísica? Às vezes comer um chocolate pode ser uma grande metafísica. Será que as coisas reais também podem ser uma expressão do mistério? A simplicidade explica aquilo que nem religiões podem explicar....
Veja o trecho abaixo:

Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.




É como se Pessoa ficasse divagando em metafísica, mas ao observar a Tabacaria, ela é a "âncora" que consegue trazê-lo à realidade:

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.




   Esteves deve ser um cliente da Tabacaria, um homem mais materialista e que não gosta de filosofar em metafísica. Quando o Esteves acena para ele, a realidade também acena para Pessoa, o universo se reconstrói sem ideal, ele volta par a vida real, esta vida que tem uma Tabacaria, e o dono da Tabacaria sorri.

Excelente semana a todos!

Abraços,

Taty Casarino

http://tatycasarino.blogspot.com.br/




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